A Dior revelou contornos de uma coleção Cruise com infusão mágica na quarta-feira (22), com pano de fundo a praça principal de Lecce, na Puglia, a região natal do pai da costureira da marca, Maria Grazia Chiuri. Tratou-se de uma homenagem ao país, e uma mostra única do savoir-faire italiano e de antigos dotes artesanais com base no legado de raízes místicas do sul da Itália.
A coleção expressa os mitos e rituais da Puglia – como a Tarantela. Neste contexto, Chiuri fez referência às teorias sobre as dimensões mágicas da dança do antropólogo, filósofo e historiador de religiões, o italiano Ernesto de Martino.
Devido à pandemia, o espetáculo foi encenado apenas para poucos amigos e familiares. No entanto, a produção foi esplêndida e contou com uma dança intensa como protagonista. Chiuri convidou a coreógrafa israelita Sharon Eyal para criar com seus dançarinos um clímax frenético que evocava ritos antigos na praça gigante em Lecce. Eyal já havia colaborado com a marca anteriormente, com uma amostra brilhante de sua companhia de dança no desfile de prêt-à-porter da Dior apresentado no hipódromo da Longchamp, em setembro de 2018.
O desfile contou com o apoio de uma trilha sonora feita por encomenda a Paolo Buonvino, que compôs a música assombrosa para Le Mythe Dior – o brilhante filme surrealista de Matteo Garrone realizado para a recente coleção de alta-costura da Dior. Buonvino desenvolveu uma “aliança de culturas” para este espetáculo, misturando música eletrônica com a orquestra da Fondazione Notte della Taranta. Enquanto os dançarinos saltavam, deslizavam, faziam piruetas e emocionavam de uma forma que capturava a energia ensonada da Puglia.
“Comecei este projeto em novembro do ano passado e fui à Puglia para fazer todo o trabalho de pesquisa, que para mim é o ponto de partida da coleção Cruise. Viajar para diferentes partes do mundo e trabalhar com artistas locais para criar algo novo, em um lugar novo. E pensei que, apesar da pandemia, tínhamos que apresentar essa coleção lá. Respeitando o distanciamento social, é claro”, disse Chiuri, que costuma passar alguns dias de férias todos os anos na antiga fazenda de seu pai, ao sul de Lecce. Ao final do desfile, ela saiu para cumprimentar o público acompanhada pelos dançarinos, não pelas modelos.
É difícil imaginar um cenário mais sugestivo, a gigantesca Piazza del Duomo, em Lecce, redecorada com “luminarie”, gigantescos pórticos de iluminação moradores da região adoram colocar nas igrejas ou nas ruas da cidade durante suas festas tradicionais. Mas desta vez, a decoração foi realizada pela artista Marinella Senatore, acrescentando mais uma camada ao complexo diálogo de culturas e artesanato deste espetáculo. Certa vez, Senatore instalou uma luminária gigantesca na High Line que dizia “Give Your Daughter Difficult Dreams” (“Dê sonhos difíceis à sua filha”), muito em sintonia com o feminismo destacado no reinado de Chiuri na Dior. O famoso ateliê da maison também produziu alguns delicados vestidos cocktail de tule luminarie que serão certamente cobiçados pelos seguidores da Dior.
A coleção inteira estava cheia de referências ao calcanhar da bota na península italiana. Como os tradicionais homens de palha tradicionais feitos de ráfia que foram transformados em um novo conceito de design. A costureira também brincou com motivos clássicos da flora e da natureza, criando roupas refinadas, como um corpete de camurça preto exótico, delicadamente bordado com flores da montanha e com o texto “Yes Parfums sont les Sentiments des Fleurs” (Os Perfumes são os Sentimentos das Flores). Parte de uma série de cerca de 250 desenhos criados especialmente para esta coleção por um grande amigo de Maria Grazia, o artista Pietro Ruffo, que se inspirou no livro de ilustrações “De Florum Cultura” de Giovanni Battista Ferrari, datado de 1638.
As referências à Puglia estavam presentes em vários níveis; como o “tombolo”, um estilo de renda criado no século 15, trabalhado com cuidado, usando um esboço de papel preso a uma almofada cilíndrica. Pudemos vê-lo com delicadeza em alguns belos vestidos de noite em malha de palha e vestidos longos com borboletas, que alcançaram uma aparência onírica e terrosa ao mesmo tempo.Até o paletó do bar foi redesenhado com tecidos de artesãos locais na Fondazione Le Constantine
“Tombolo me lembra de onde nasceram algumas das minhas paixões. Minha avó costumava fazer tombolo. Todas as senhoras que conhecia também o faziam. Mas, era considerado um trabalho doméstico. Este espetáculo ajuda as pessoas a perceberem que se trata de um trabalho artístico. Na Itália, ainda não valorizamos suficientemente os nossos artesãos e eles são uma grande parte da nossa cultura”, declarou Chiuri.
Este desfile da Dior também marcou o fim de uma temporada única de verão na Europa, com quase todas as coleções sendo apresentadas online, praticamente sem modelos ao vivo.
“Tessuti Calabrese”, uma antiga forma de tecelagem, também esteva presente em vestidos dramáticos feitos com estampas renascentistas, mapas, leões e flores mitológicas. Chiuri brincou com chapéus de palha artesanais tradicionais, convertendo-os em cloche ao estilo parisiense com fitas de logotipo. Tudo isso combinado com uma apresentação de ideias que mostravam uma foto da mãe de Maria Grazia quando era jovem, refletindo a imagem ao vivo da costureira.
A nova coleção de bijuterias também impressionou, com referências aos pingentes de nós helenísticos do século III a.C. na Puglia, que no passado era uma colônia da Grécia antiga.
“Quando visitei a Puglia quando criança, descobri uma cidade chamada Bovesia onde ainda falavam grego. Eles chamam de Griko. E ainda o fazem. Dá para acreditar?!”, disse Chiuri, se maravilhando com a riqueza artística e cultural de seu país natal.